Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa
Danilo Angrimani
O livro “Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa” do autor Danilo Angrimani é o resultado de uma tese de doutorado realizada pelo autor que teve Marcondes Filho como orientador. Danilo Angrimani é doutor em Ciência da Comunicação e possui mestrado em Comunicação Social. Foi repórter do Jornal da Tarde, Diário Popular, Folha da Tarde e Diário do Grande ABC.
Angrimani possui um site com o nome http://sensacionalismo.sites.uol.com.br, sobre o livro “Espreme que sai sangue”, onde discorre modestamente sobre o conteúdo de sua pesquisa.
O livro conforme o próprio autor descreve é divido em três partes: Sensacionalismo na Comunicação; Violência e Repressão no Campo Inconsciente; Notícias Populares.
Na primeira parte temos uma definição do que é sensacionalismo, como o senso comum o enxerga e quais suas características na imprensa. Angrimani dará ênfase à mídia impressa, no entanto não se esquece dos outros meios de comunicação.
Utilizando de estudiosos da área, Angrimani caracteriza sensacionalismo como a extração e exaltação da carga emotiva dos fatos e notícias divulgadas. Segundo Marcondes Filho, autor citado no texto, o sensacionalismo também é a mercantilização da informação e a pseudo-alimentação das necessidades psíquicas do indivíduo. Pois estimula as respostas emocionais e coloca a emoção em destaque da informação.
Conforme o autor, os meios sensacionalistas são alimentados pela utilização de fait divers (fatos cotidianos) com assuntos como sexo, violência e morte que são colocados de forma extraordinária e espetacular. As pessoas se identificam, vêem suas fantasias projetadas, se libertam dos desejos contidos ou se indignam com a situação, sentem-se participantes da história. E para isso é usada a linguagem coloquial, falada nas ruas, nos bares, em casa. Que manipula as sensações que teremos ao ver e lermos tragédias, desastres, assassinatos;
A imprensa funciona como um neurótico obsessivo que mostra compulsivamente ações transgressoras que exigem punições, mas ao mesmo tempo supre as necessidades dos humanos por tais ações. Ela é o meio libertador das pulsões do individuo é a junção do imoral com o moral.
Na segunda parte, serão explorados os estudos freudianos para explicar as três instâncias da personalidade: id, ego e superego. Para esclarecer como a imprensa sensacionalista age psiquicamente no individuo. O id seria as pulsões, vontades inconscientes do sujeito, ele é amoral. Nele está contido tudo o que é reprimido pela sociedade, como perversões, erotismo, tendências assassinas. Já o ego é a representação do que tentamos ser, um equilíbrio entre nossas pulsões (id) e a nossa consciência moral perante o mundo exterior. E o superego é a repressão do id, são as normas que controla os ímpetos humanos.
Perante essas faculdades mentais, os meios sensacionalistas assumem o papel de id e superego. Eles agem como id personificado quando realizam os gozos do indivíduo. E concretiza a submissão do ego ao superego que funciona como acessório para punir e inserir consciência moral. A imprensa se encontra na dualidade da representação entre a punição/transgressão. E como Marshall Mcluhan já dizia os meios de comunicação são “extensões do homem”. Portanto, segundo Angrimani a imprensa sensacionalista não independe do indivíduo, ele faz parte dela e de sua construção.
A exposição de tabus como canibalismo, sadomasoquismo, perversões, homossexualismo, fetichismo, voyeurismo nos meios sensacionalistas alimenta o mal estar do homem que vive entre a realização do id e a repressão do superego. Segundo Freud, os tabus é a forma mais antiga de consciência moral. No livro é apontado exemplos de representações de tabus na mídia. O caso do homossexualismo ser retratado com preconceitos e de forma ofensiva. Tem explicação nas regras que estabelece papéis femininos e masculinos. E quebrar essas regras, faz do homossexual um ser inaceitável. De acordo com a psicanálise todos possuem características de ambos os sexos, o que é conhecido como, disposição bissexual. Portanto, através de uma projeção, mecanismo de defesa para que o sujeito lançar-se fora de si, aquilo que não aceita em seu inconsciente. Combater o homossexualismo é evitar sentir culpa pela própria homossexualidade. E os jornais sensacionalista mais uma vez exercem o papel de superego que pune o homossexual como transgressor. O mesmo ocorre com o sentimento de prazer que se tem com o sofrimento alheio. É a descarga sádica do sadomasoquismo que todos possuem.
A opinião pública acredita que manchetes e temas sensacionalistas interessam na maior parte, as pessoas de baixa renda e sem instrução. No entanto, a verdade é que o assunto morte, por exemplo, interessa a todas as classes sociais. Ela é cultuada e explorada como espetáculo para torná-la mais digerível. Ela faz lembrar a pessoa de qual será o seu destino. Ou por vezes pode ser a figuração da morte de alguém que a própria pessoa gostaria de ter matado. Portanto a imprensa representa a descarga de pulsões agressivas, pois a violência é intrínseca no homem. Tanto para quem escreve (jornalistas) as notícias como para quem as recebe (leitores, telespectadores).
O autor defende que a mídia só transmite aquilo que o homem deseja ver. Entretanto discordo parcialmente dessa afirmação, que parece justificar a valorização das escolhas do id em detrimento do superego. Por que transmite a idéia que somente os apetites do id seriam relevantes, diferente da repressão do superego que seria incorreta. Mas deve-se lembrar que a personalidade de uma pessoa só é completa se houver: id, ego e superego. Portanto o superego também auxiliará na escolha do indivíduo quanto a querer ver conteúdo sensacionalista ou não.
Diante das repressões ao id, poder-se-ia utilizar de forma positiva os meios de comunicação para aliviar as tensões do indivíduo. Enfatizo forma positiva, na qual se daria através da cultura, educação, esporte e entretenimento. Por que se torna em vão somente a exposição das frustrações do homem pela mídia e nada ser feito para amenizar esta situação.
Após as explicações psíquicas referentes à influência do sensacionalismo nas pessoas, o autor na terceira parte do livro faz uma análise dos conceitos apresentados anteriormente, no jornal Notícia Populares. Criado para competir com o jornal Última Hora, o NP inicialmente traria assuntos como sexo-crime-sindicalismo. Ele passou por muitas fases até que chegasse ao gosto popular. Quando começou a trazer em suas capas manchetes bizarras e grotescas.
Segundo o secretário de planejamento do NP, José Luiz Proença citado no livro em entrevista dada ao autor, o jornal era apoiado no tripé sensacionalista: sexo, crime e o sobrenatural.
O Noticia Populares foi parcialmente censurado quando trouxe a seguinte manchete “Maradona bom de bola e ruim de taco” que trazia o jogador nu. Com a justificativa de atentar contra o direito da criança e do adolescente, o NP teria que ser vendido lacrado e com classificação etária para maiores de 18 anos. Perante este episódio ocorrido como NP, Angrimani escreve que quem deveria censurar o jornal, eram os leitores quando decidissem comprá-lo ou não. Percebe-se que o autor além de extremamente racional, defende ferrenho a liberdade de expressão. É admirável tal atitude, nesse caso, concordo com o juiz que censurou o NP quando disse, que “o direito de liberdade de expressão é absoluto, mas não ilimitado”, e que “(...) a dignidade humana precisa ser respeitada”. Totalmente o contrário do que acontecia no NP que utilizava de linguagem chulas as vítimas referidas.
Em sua análise Angrimani caracterizou as matérias exemplificadas do NP em punitivas, quando queria castigar o transgressor e transgressoras, quando atrai o leitor para os tabus. Novamente a dualidade entre punição/transgressão encontrada no sensacionalismo. Além de possuir a maioria das caracteristicas citadas ao decorrer do texto, Notícias Populares utiliza excessivamente da pseudociência para dar credibilidade a suas histórias mirabolantes e usa de cascatas, que são reportagens fictícias. Inclusive a mais famosa cascata do NP é citada no livro, que é o caso do bebê-diabo. Uma história criada para preencher um plantão de sábado. Que era de um bebê que teria nascido com chifres, pêlos e rabo e que se dizia filho do diabo.
O jornal contou o boato sem dar nomes ao envolvidos, o que contribui para aguçar a curiosidade do povo. Na época o fato estampou as manchetes do jornal por 22 edições. O caso do bebê diabo é a expressão máxima da exploração do imaginário popular, junto à simpatia que o veículo tinha de seus leitores. O Notícias Populares deixou de existir em 2001, quando cedeu lugar ao periódico Aqui Agora. Atualmente existem muitos jornais que se assemelham ao NP pelo uso da linguagem popular, pela exploração das imagens das vítimas, onde deixam a desejar em critérios jornalísticos.
Angrimani deixou explícito em seu estudo, que não concorda com a culpa que destinam a imprensa quanto a sua influência negativa no indivíduo. A sua proposta era defender a idéia, que os meios sensacionalistas são a representação dos desejos do homem. Pois o sangue que sai quando se espreme os jornais sensacionalistas é a reprodução do homem por meio dos crimes, violência e tabus exposto nas mídias. Desta maneira a imprensa é distanciada da parcela de responsabilidade que ela tem em certas atitudes do individuo, quando sujeitado a temas explorados por ela. Visto que a abordagem do trinômio sexo-violência-morte é a satisfação do id. Por seguinte não se pode esquecer que não existe somente esses assuntos para serem retratados. E a exaustão do id, nos faz esquecer do que acontece do mundo.E torna a imprensa no sentido semântico da palavra, egocêntrica.
Como já comentando antes, para Angrimani é inaceitável censura na liberdade de expressão. Mas para deixar mais claro minha discordância nesta postura radical assumida pelo autor. Parto da idéia dos meios sensacionalistas de que o povo não possui senso crítico. Portanto só veiculam o que julgam irrelevante. O que faz nesse caso a liberdade de expressão tornar-se uma ditadura. O que também contribui para o estereótipo do famoso “o povo gosta”.
Deixando de lado alguns aspectos divergentes, o livro foi bem articulado. Extremante detalhista é um bom recurso para quem deseja se esgrimir pelas vias tortuosas do sensacionalismo. Através da citação de autores da área, o autor nos mostra até estudos contrários ao caminho por ele seguido. Isso demonstra a confiança em argumentos bem elaborados. A utilização dos recursos da psicanálise deu credibilidade às explicações e facilitou o entendimento de quem tinha interesse no assunto. É um livro que recomendo, mas é necessária uma leitura analítica para melhor aproveitar e quem sabe tirar até boas risadas das manchetes do NP.
quinta-feira, 20 de maio de 2010
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